16 de janeiro de 2014

E se for pra ser especial, vai ser

Clara sempre foi meio estranha. Tinha tudo o que uma garota de 17 anos gostaria de ter: uma vida relativamente boa, amigos por toda parte, roupas para dar e vender e todos os tipos de aparelhos eletrônicos de última geração que se possa imaginar. Até aí tudo bem, não era exatamente disso que Clara vivia reclamando. Na verdade, nem ela sabia direito o que lhe faltava.

Certo dia, num desses em que qualquer adolescente gostaria de não ser incomodado, sua mãe entrou em seu quarto de repente, assim, de supetão. E, na maior alegria, anunciou:

– Arrume uma mala, estamos indo visitar a sua vó.
– Mas O QUE? Que diab... eu não vou! Mãe, pelo amor de Deus, você sabe onde a vovó mora? Pois é, nem eu. E sabe por quê? Porque ela mora NO MEIO DO MATO! Ui, só de imaginar...
– Só arrume suas coisas, Clara. Você vai. Ponto final.
– Eu já disse que não v... MÃE, VOLTE AQUI! NÃO ME DEIXE FALANDO SOZINHA! saco.

De cara amarrada, a menina separou seu iPad, iPod, iPhone e todos os ai possíveis. Não podia esquecer de nada, ai-meu-deus se esquecesse. Só depois de verificar se já estava tudo em seu devido lugar, Clara se concentrou nas roupas. Vestidos saias blusinhas top tênis (não, tênis não) sandálias sapatilhas o-raio-que-o-parta. O que se usa no meio do mato?, pensou. Foco. Pegou calcinhas, sutiãs, lingeries mais, hum, calientes. Clara era, definitivamente, precavida e isso ninguém podia negar.

Desceu as escadas e foi direto para o carro.

– Vamos! Antes que eu desista, porque sabe...
– Me dá um tempo! – reprimiu a mãe.

Em todo o trajeto não tirou os fones do ouvido. Estava ouvindo um tipo de rock melodramático e pesado, porque precisava expressar a sua raiva e indignação, por-favor-né. Após duas horas e meia de tortura viagem, chegaram na casa da vovó Lurdes. Clara adorava a sua vó, só não aprovava onde ela resolveu morar de uns anos pra cá.

– Vovó! – disse a menina com um sorriso no rosto.
– Olá, Clara. Como tem passado?
– Bem e a senhora? – a essa altura, ela já tinha largado sua mala em algum canto qualquer da casa.
– Estou bem, filha. Mas, olha só, vocês chegaram cedo demais, não me deixando terminar nem o jantar direito. Então leve esse seu corpinho pra passear e só volte daqui umas duas horas.
– Mas HEIN?! – e, ao ver o olhar de reprovação de sua mãe, saiu voando dali.

Clara não sabia direito o que fazer. Não conhecia sequer o lugar que estava. Pensou em dar uma andada pela vizinhança, mas e se não conseguisse achar o caminho de volta? Que se dane!, e foi. Andou andou andou - e tudo o que via eram árvores - até que avistou uma pracinha com uns bancos e umas pessoas caipiras simpáticas por ali. Resolveu se juntar a elas.

Sentou-se em um lugar vago e ficou a observar a vida "agitada" daquelas pessoas. Entediada do nada, puxou o celular do bolso.

– Você não vai conseguir fazer nada com esse aparelho aí não, viu. Não tem sinal por essas bandas aqui.
– Mas quem é você? E de onde você surgiu?
– Ah, permita-me. Meu nome é Gustavo, senhorita. Moro a dois quarteirões daqui e...
– Que seja! – e levantou. Andou alguns passos e sentiu uma leve cutucada no ombro. – Mas que diabo, o que você quer comigo, garoto?
– Já está tarde, não é bom uma moça tão bonita andar por aí desacompanhada.
– Mas ainda está de dia! Que horas são? – pegou o celular e constatou que já passava das oito (ai-meu-deus). – Ok, você pode me acompanhar.
– Ok.

Os dois foram andando lado a lado, porém se trocaram meia dúzia de palavras foi muito. Gustavo queria puxar assunto, mas de cara percebeu que a menina era meio estranha. Nem se apresentar se apresentou. Resolveu arriscar.

– Qual o seu nome?
– Clara. Me desculpe se fui meio rude, é que eu não gosto de vir pra cá. Mas minha vó mora aqui e aí sabe como é.
– Engraçado, nunca te vi na cidade antes. Você deve ser bem o tipo de garota-mimada-da-cidade cheia de não-me-toques.
– É, você meio que acertou. – respondeu em meio a um sorriso.

Conversaram mais um pouco. Conversaram sobre tudo. Gustavo tinha 19 anos e cursava Medicina. Disse que o sistema de saúde da cidade era precário e que queria mudar o quadro. Bonitinho. Quando Clara, enfim, se soltou e falava mais e mais, o garoto a puxou pra mais perto.

– Mas o que é is...
– Shhh! Escute!
– Escutar o que? Só escuto barulho.
– Coachos.
– O que?
– São coachos e não barulho. Barulho é quando voCÊ INCOMODA OS OUTROS E...
– Shhh! – diz Clara, rindo, enquanto tampa a boca do garoto. – Me diz, o que tem de tão legal no som dos sapos?
– Nada de especial. Só sou acostumado a ficar ouvindo isso quando estou deitado, prestes a dormir. Até parece um fundo musical para os meus pensamentos, sabe como?
– Humm!
– Pode parecer bobo pra vocês, reles-mortais-da-cidade.
– Nem um pouco! – rebate Clara debochada. – Preciso ir agora. Obrigada por ter me acompanhado e...
– Pelos coachos? – perguntou Gustavo.
– É, pode ser, talvez. A gente se vê. – e, pela última vez, Clara acenou para o menino antes de seguir seu caminho de volta.

Ao chegar em casa, a mesa já estava posta. Surpreendeu-se ao perceber que realmente estava com fome. Jantou tão rápido, a ponto de ter a atenção chamada. Nem ligou. Quando terminou, foi saindo o mais rápido que pode da mesa.

– Onde vai com tanta pressa assim? – perguntou a mãe.
– Coachos.
– Acho que eu não entendi.
– Nada, mãe. Vou me deitar apenas, tá? Boa noite!

Boa noite, Clara, boa noite...

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