20 de abril de 2015

Sobre ter a alma cheia de solidão



Já faz muito tempo que essa cidade não é a mesma. Logo eu, que vivia a caminhar pelas ruas desertas segurando o meu velho e bom copo de uísque na mão, percebi de imediato que elas estavam um pouco tortas e sem direção. Não é algo normal parar no meio da solidão e perguntar: "ei, tem alguém aí?". Não é normal porque você já sabe a resposta. Não é normal porque você está tentando sabotá-la com o pensamento de que o dia sempre cura as dores que a noite deixou. Mas não é bem assim.

Já faz muito tempo que venho tentando te dizer algumas palavras meio sem jeito e meio sem nexo. Procuro a coragem num gole de vodka, mas quando consigo retê-la, a engulo junto com toda aquela bebida. Talvez você não tenha percebido, mas ontem a noite enquanto você dormia, os sinos badalaram exatamente a meia noite. O som foi tão estridente quanto o barulho do silêncio que carrego aqui dentro. Mas, assim como eu não consigo acordar para o verdadeiro motivo da vida, você também não acordou.

Já faz muito tempo que o mundo está em chamas, onde as labaredas atravessam vários campos gerais sem previsão de quando irão se apagar. Acredito que elas querem dizer alguma coisa com essa dança que insistem em fazer pelo céu negro da cidade. Talvez sejam as mesmas palavras que venho ensaiando em frente ao meu espelho quebrado que há na parede do meu quarto. Talvez seja apenas um alerta para que eu pare de me preocupar tanto com o passado - ou com o presente - se já nem o meu futuro presta.

Já faz muito tempo que não encaro a vida da maneira correta, sempre arranjo alguma desculpa para tentar fugir dela. Uma vez tentei suicídio, noutra levei um tiro. Nenhuma delas fez com que eu percebesse que os dias passam tão rápidos como num piscar de olhos, tanto é que continuo caminhando nessas ruas tortas e sem direção e mal consigo permanecer em pé nessa eterna rejeição.

Já faz muito tempo que eu vejo tudo se transformando em pó. Primeiro os meus pais, depois a minha mulher. Até o meu filho o tempo levou, sem dó e sem piedade.  Foi pensando nesse meu jeito miserável de ser que o tempo resolveu me punir por tudo o que já fiz até aqui. E o tudo se resume em uma palavra, quatro letras: nada.

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